A maternidade é uma experiência tão única quanto transformadora. Só quem já passou por ela sabe o quanto muda tudo: corpo, mente, prioridades e, principalmente, a forma de enxergar o mundo e os outros seres. Não existe amor igual ao de uma mãe por seu filho, nem vínculo tão visceral quanto o que nasce desse instinto – um impulso incontrolável de proteger, nutrir e ensinar, que transcende qualquer explicação racional ou acadêmica. Nenhum profissional, filósofo ou psicólogo que não tenha vivenciado a maternidade pode realmente compreender ou descrever a potência desse amor e das dores que o acompanham, porque só vivendo se entende o que é ser mãe.

Foi vivenciando a maternidade, sentindo na pele as dores e delícias desse processo – desde a gestação, passando pelo parto e pela amamentação, até os desafios diários de criar um filho – que minha percepção sobre os animais mudou completamente. Lembro das noites em claro, da exaustão, das dores físicas, como a mastite durante a amamentação, e de como tudo isso me conectou com a realidade das mães não humanas. Percebi que vacas, porcas, cabras, ovelhas, cadelas, gatas, galinhas e até peixes também vivem a intensidade desse amor e desse sofrimento. As mães mamíferas carregam seus filhotes por meses, sentem cada desconforto da gestação, enfrentam a dor do parto e depois ensinam, protegem, alimentam e acolhem seus filhos, assim como nós. Sentem dor, medo, ansiedade, angústia e alegria – tudo aquilo que conhecemos tão bem.

Mesmo as mães não mamíferas, como aves e peixes, demonstram comportamentos maternos profundos: constroem ninhos, protegem os ovos, ensinam os filhotes a se alimentar e a sobreviver. A ciência já comprovou que animais de diversas espécies são sencientes, capazes de sentir dor, amor, frio, medo, ansiedade, depressão e uma gama de emoções que, para nós, são inconfundíveis. O instinto materno é universal: é o pacto silencioso de fazer tudo o que for preciso para garantir a vida e o bem-estar da cria, mesmo que isso custe o próprio conforto ou segurança.

Por isso, quando celebramos o Dia das Mães, não podemos ignorar o sofrimento das mães não humanas, privadas do direito de viver plenamente esse amor. Se somos capazes de compreender a dor de uma separação, o medo diante da doença, a alegria de ver um filho crescer ou a angústia de não poder protegê-lo, também somos capazes de nos colocar no lugar dessas mães de outras espécies. Elas são como nós. E, por isso, merecem respeito, compaixão e o direito de exercerem sua maternidade em liberdade.

A Dor das Mães Esquecidas: Vacas, Porcas, Galinhas e Peixes

Na indústria leiteira moderna, as vacas são estupradas por inseminação artificial ano após ano para manter a produção de leite. Após nove meses de gestação – período semelhante ao das mulheres humanas – seus bezerros são arrancados delas em questão de horas ou minutos após o nascimento. Essa separação abrupta provoca sofrimento psicológico profundo tanto nas mães quanto nos filhotes. Funcionários da indústria relatam que as vacas choram “como um bebezinho” por até 15 a 20 dias depois de terem seus bezerros levados, mugindo desesperadamente e procurando por seus filhos que nunca mais verão. A “angústia de separação” não é apenas um termo técnico: é uma realidade vivida intensamente, com comportamentos de busca, vocalização intensa e sinais fisiológicos de estresse.

Enquanto a expectativa de vida natural de uma vaca pode chegar a 15-20 anos, a vaca leiteira moderna raramente vive além dos 4,5 a 6 anos. A vida produtiva média nos EUA é de apenas 3 anos – uma redução drástica em relação ao passado, resultado do esgotamento físico e emocional imposto pelo ciclo incessante de gestações e separações.

O mesmo ciclo de violência se repete com as galinhas. Enquanto suas ancestrais selvagens botavam entre 10 a 15 ovos por ano, as galinhas da indústria são geneticamente manipuladas para produzir entre 300 e 320 ovos anualmente – um aumento de quase 3.000% que causa sérios problemas de saúde. Para cada galinha confinada, há um holocausto invisível: aproximadamente 7 bilhões de pintinhos machos são eliminados anualmente no mundo, pois não botam ovos nem servem para produção de carne. Estes pintinhos, recém-nascidos, são triturados vivos ou sufocados, uma prática padrão da indústria.

As galinhas em sistemas intensivos são impedidas de realizar comportamentos naturais essenciais como ciscar, tomar banho de terra, empoleirar-se ou construir ninhos e chocar seus ovos. Pesquisas mostram que essas atividades são fundamentais para o bem-estar físico e psicológico das aves, ocupando 63% do tempo das galinhas livres. Na natureza, uma galinha selvagem escolhe cuidadosamente o local do ninho, choca os ovos por 21 dias e ensina os filhotes a forragear – comportamentos totalmente negados na indústria.

As porcas também vivem uma maternidade marcada pela violência e privação. Confinadas em gaiolas de gestação e parto tão estreitas que mal conseguem se mover, são impedidas de exercer qualquer comportamento materno natural. Em condições naturais, as porcas constroem ninhos, amamentam e protegem seus leitões por até 17 semanas, mas na indústria, os filhotes são retirados com apenas 3 semanas de vida, causando sofrimento e estresse tanto para mães quanto para filhotes. O confinamento extremo, a falta de higiene e a superlotação levam a doenças dolorosas, como mastite, e até a transtornos psicológicos, incluindo depressão pós-parto, condição já comprovada cientificamente em porcas submetidas a sistemas industriais intensivos. Investigações mostram que, nessas condições, mães e filhotes gritam uns pelos outros durante semanas, e a mortalidade de leitões é elevada devido ao estresse e à incapacidade das mães de cuidar adequadamente de todos.

Por muito tempo, os peixes foram tratados como seres insensíveis, mas a ciência já reconhece que eles sentem dor, têm consciência do que acontece ao seu redor, aprendem, se comunicam, formam memórias e são capazes de distinguir situações boas e ruins. Estudos recentes mostram que peixes, como o peixe-zebra, apresentam contágio emocional: conseguem perceber e imitar o medo e o estresse dos outros, graças à ação da oxitocina – o mesmo hormônio envolvido na empatia humana. Áreas cerebrais responsáveis pelo reconhecimento de emoções em peixes são equivalentes às dos mamíferos, evidenciando uma vida emocional complexa.

A cultura pop também nos ajuda a enxergar a sensibilidade dos peixes. Quem assistiu “Procurando Nemo” e “Procurando Dory” se emocionou com a saga de Dory, que, mesmo com perda de memória recente, passou a vida procurando os pais, e com Marlin, o pai de Nemo, que enfrentou todos os perigos para resgatar o filho. Essas histórias nos tocam porque retratam emoções reais, laços familiares e a luta pela sobrevivência – sentimentos que, por muito tempo, foram negados aos peixes no mundo real.

Na indústria, porém, a realidade é oposta à dos filmes. Peixes criados em aquicultura vivem em ambientes superlotados, privados de nadar livremente, o que é seu comportamento mais natural. Esse confinamento gera estresse intenso, facilita a propagação de doenças e prejudica o crescimento e o bem-estar dos animais. O estresse elevado pode ser medido por altos níveis de cortisol no sangue, além de outros problemas fisiológicos e comportamentais. Imagine o que é para uma mãe peixe ser obrigada a criar seus filhos em tanques lotados, sem espaço, sem a chance de protegê-los ou ensiná-los sobre o mundo – uma vida de privação desde o nascimento.

Os animais não são comida. São indivíduos com direito à vida, à liberdade e à convivência com suas famílias, assim como qualquer outro animal senciente.

Os Estudos Comprovam:

Diversos estudos científicos revelam que os animais criados para consumo possuem vidas sociais e emocionais ricas, expressando comportamentos maternos, sociais e lúdicos complexos, tanto na natureza quanto em ambientes mais livres.

Vacas são animais altamente sociais, capazes de reconhecer mais de 100 indivíduos do rebanho e de formar amizades duradouras. Elas demonstram preferência por certos companheiros, o que reduz seus níveis de estresse e melhora o bem-estar geral. Quando separadas de seus filhotes ou de membros próximos do grupo, vacas expressam sinais claros de luto, buscando ativamente por eles e apresentando vocalizações de angústia. Esses laços sociais e maternos são essenciais para sua saúde emocional e física.

Porcas, em ambientes naturais, são brincalhonas, protetoras e constroem ninhos elaborados para receber seus leitões. Elas reconhecem seus filhotes, interagem de forma lúdica e ensinam comportamentos essenciais para a sobrevivência da ninhada. Estudos mostram que, quando têm liberdade, porcas e leitões engajam em brincadeiras sociais e locomotoras, que são fundamentais para o desenvolvimento físico e cognitivo dos filhotes. O confinamento, por outro lado, impede essas interações, levando a sofrimento e distúrbios comportamentais.

Galinhas são surpreendentemente inteligentes e sociais. Elas formam hierarquias complexas, reconhecem dezenas de outros membros do grupo, transmitem conhecimento entre gerações e possuem mais de 30 tipos de vocalizações para se comunicar com os filhotes. Na natureza, galinhas ensinam seus pintinhos a ciscar, buscar alimento e se proteger, além de demonstrar comportamentos de empatia e proteção.

Peixes também apresentam comportamentos sociais e familiares sofisticados. Espécies como o peixe-zebra cuidam dos ovos e filhotes, defendendo-os de predadores e ensinando-os a sobreviver. Estudos recentes mostram que peixes são capazes de reconhecer outros indivíduos, formar grupos sociais estáveis e até demonstrar contágio emocional, percebendo e respondendo ao medo ou estresse dos companheiros.

O comportamento lúdico é um indicador importante de bem-estar e desenvolvimento saudável em várias espécies. Porcas e leitões, por exemplo, demonstram brincadeiras sociais e locomotoras, como correr, saltar e interagir com objetos, especialmente quando mantidos em ambientes que permitem maior liberdade e contato com a mãe e a ninhada. Esses comportamentos são reduzidos ou inexistentes em sistemas industriais, onde o confinamento e a separação precoce prejudicam o desenvolvimento emocional e social dos animais.

Esses estudos deixam claro que os animais de consumo não apenas sentem dor e sofrimento, mas também experimentam alegria, brincadeira, amizade, apego e luto. O comportamento materno e social é fundamental para o bem-estar desses animais, e sua privação resulta em sofrimento físico e emocional profundo, evidenciado por décadas de pesquisas em etologia e bem-estar animal.

Como Nossas Escolhas Impactam Milhões de Vidas

Nossas escolhas diárias têm consequências muito além do nosso prato. Cada vez que optamos por produtos de origem animal, estamos perpetuando um sistema que priva milhões de mães não humanas do direito fundamental de amar, proteger e criar seus filhos. Ao escolher alternativas vegetais – seja leite, queijo, ovos ou carnes à base de plantas – rompemos com esse ciclo de sofrimento e afirmamos que o amor materno merece respeito em todas as espécies.

Adotar uma alimentação vegana vai além da compaixão: é um posicionamento ético e político que desafia a lógica da exploração animal e valoriza a vida em sua plenitude. Hoje, a variedade e qualidade dos alimentos vegetais tornam essa transição acessível, saborosa e nutritiva, permitindo que cada pessoa contribua para um mundo mais justo sem abrir mão do prazer à mesa.

O avanço de movimentos por sistemas menos cruéis, como a eliminação de gaiolas para galinhas poedeiras em diversos países, mostra que mudanças são possíveis e que a pressão do consumidor faz diferença. No entanto, só alcançaremos um verdadeiro respeito à vida animal quando reconhecermos que nenhuma mãe – seja vaca, porca, galinha, peixe ou cadela – deveria ser impedida de viver sua maternidade plenamente por interesses humanos.

O Dia das Mães é um convite à reflexão profunda sobre nossos valores. Celebrar essa data é também reconhecer que o amor, o cuidado e o direito à família não são exclusivos da nossa espécie. Ao fazermos escolhas conscientes, honramos todas as mães – humanas e não humanas – e contribuímos para um mundo onde o amor maternal é protegido, não explorado.

Neste Dia das Mães, que a empatia nos guie: que possamos expandir nosso círculo de compaixão para incluir todas as formas de maternidade, rejeitando práticas que causam dor e separação. Porque toda mãe merece amar, cuidar e ver seus filhos crescerem em liberdade – e cada um de nós pode ser parte dessa transformação.

Texto previamente publicado no meu LinkedIn: https://www.linkedin.com/feed/update/urn:li:ugcPost:7327351894656397312/

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