Minhas contas estão pagas, minha família tem um bom teto, meu filho estuda em uma ótima escola, eu e meu marido temos um bom trabalho, estamos todos saudáveis, nossas famílias não passam nenhuma dificuldade, nem precisam da nossa ajuda. Sempre temos comida na mesa. Nada nos falta.
Eu poderia fechar os olhos para tudo o que não se encaixa nessa realidade e fingir que ninguém precisa de ajuda, que ninguém vive uma realidade inferior à minha. Poderia manipular o algoritmo das minhas redes sociais para que só me entregasse conteúdo de influencer irrelevante, que não entrega nada além de incentivo ao consumismo, materialismo e capitalismo. Poderia deixar de ser a pessoa “chata” e “mimizenta” aos olhos da minha família e ser apenas grata ao Deus deles, que abençoa apenas os que são dignos, batalhadores e merecedores como eles.
Minha vida seria mais leve, o peso no meu peito sumiria junto com a sensação de impotência e de mãos atadas, e o desespero já não tiraria mais o meu sono.
Mas eu não consigo fechar os olhos para as injustiças. Eu não consigo me calar diante delas. Não consigo seguir fingindo que atrocidades não estão acontecendo enquanto estou na segurança da minha casa, da minha estabilidade financeira, do meu país…
Honestamente, eu não consigo RESPIRAR enquanto vejo vídeos do massacre, do genocídio, que está há anos acontecendo em Gaza. Eu me sinto INDIGNA de viver enquanto isso acontece, enquanto pessoas têm seus lares destruídos por bombas, enquanto pessoas não têm acesso a comida ou água. Me parte o coração e mata partes de mim saber que, enquanto meu filho está seguro ao meu lado, ao mesmo tempo crianças estão órfãs de sua família inteira, pais perdem o seu bem mais precioso — o filho —, crianças são bombardeadas em locais dados como “seguros” e sofrem todo tipo de machucados, amputações, queimaduras horríveis.
Ser mãe torna tudo ainda mais insuportável. A compaixão que sinto por essas crianças vai além da empatia: é visceral, física, dolorosa. Não consigo imaginar a dor dessas crianças que estão tendo a infância arrancada de si da maneira mais violenta possível. Vi vídeos de Gaza que mostram crianças que começaram a escrever seus próprios nomes nos braços, nas pernas, no peito — não como brincadeira, mas porque têm medo de morrerem sob os escombros e não serem identificados. Essa prática, relatada por famílias e organizações locais, é um grito silencioso de desespero: as crianças sabem que podem ser mortas a qualquer momento, e querem ao menos garantir que, se isso acontecer, seus corpos não fiquem anônimos, que seus pais possam ao menos enterrá-los com dignidade. Nenhuma mãe deveria conviver com esse tipo de terror. Nenhuma criança deveria crescer aprendendo a se identificar para a morte antes mesmo de viver a infância.
Não consigo esquecer os vídeos que vejo: crianças chorando desesperadas sobre os corpos dos pais, mães gritando seu luto e sua dor eterna com seus filhos mortos nos braços. Só de lembrar dessas cenas, já começo a chorar instantaneamente — e isso só de imaginar a dor desses pais e filhos, porque viver essa realidade é inimaginável. Ninguém deveria passar por isso, por nenhum motivo, muito menos por ganância humana, por sede de poder. E eu não consigo, simplesmente, deixar de assistir esses vídeos e fingir que estou vivendo em outra realidade. Isso está acontecendo agora, nesse exato momento, enquanto escrevo. A nossa era tecnológica não permite mais que a gente alegue ignorância: hoje, sabemos das atrocidades que acontecem longe de nós e, mais do que isso, temos a chance de usar nossa voz, por menor que seja, para tentar acabar com esse horror.
Quase todos os 2,3 milhões de habitantes de Gaza foram forçados a deixar suas casas. Eles enfrentam fome extrema, falta total de água potável, medicamentos e energia, e vivem sob bombardeios constantes, sem nenhum refúgio possível. Hospitais, escolas, toda a infraestrutura básica foi destruída. A entrada de ajuda humanitária está bloqueada há meses, levando milhares de crianças à desnutrição e à morte por doenças evitáveis. Organizações como a ONU e a Human Rights Watch já chamam isso de catástrofe humanitária, com risco real de fome em massa e colapso total das condições de vida. É um cenário de horror absoluto, onde sobreviver virou exceção.
Crianças e adultos vivem sob medo constante, ansiedade, insônia, traumas que desafiam qualquer explicação. Psicólogos relatam que muitas dessas crianças já não falam, têm medo de dormir, vivem em alerta permanente. O trauma não termina quando as bombas param; ele se arrasta por anos, talvez por gerações. Não é só reconstruir casas e hospitais — a reconstrução mais difícil é a da mente, da esperança, da sensação de segurança. Especialistas dizem que, após a guerra, o processo de cura mental pode ser ainda mais longo e doloroso que o material. Como seguir em frente quando TUDO o que se conhecia foi destruído? Não foram destruídas apenas construções e imóveis, mas também culturas, memórias, pessoas, famílias. Tudo foi apagado, dilacerado. Só resta poeira, traumas e cinzas.
Tudo isso pra quê? Por quê? Por que um bando de (adicione aqui o pior adjetivo que venha na sua mente) tem sede de poder e não se importa com quantos precisam morrer pra isso?
Por quê???
Por que estamos permitindo que isso aconteça por tanto tempo???
Já conseguimos ver no Google Maps, em imagens reais por satélite, que não sobrou NADA da Faixa de Gaza. Tudo foi destruído.
Por que continuamos vivendo normalmente nossas vidas enquanto pessoas, CRIANÇAS e BEBÊS estão sofrendo e morrendo todos os dias?
Por que estamos calados enquanto Israel impede que qualquer ajuda humanitária chegue à Palestina? Enquanto destrói e ataca até mesmo os poucos recursos que tentam se aproximar com a simples intenção de ajudar. Como aconteceu com o barco Consciência da Missão, da Flotilha da Liberdade, que foi bombardeado por Israel enquanto levava alimentos e remédios ao povo palestino em Gaza.
Eu sei que o Brasil não ficou parado diante da tragédia que segue acontecendo em Gaza. Lembro bem que, por volta de 2023 e 2024, nosso país tentou agir: o presidente Lula pediu cessar-fogo, o Brasil propôs resoluções na ONU, buscou diálogo com diferentes nações e apoiou ações humanitárias. Não ignoro esses esforços e reconheço a tradição diplomática brasileira de buscar a paz.
Mas, como cidadã, a impressão que fica é de que, depois das negativas e dos obstáculos internacionais, o Brasil acabou desistindo de ajudar. Parece que, diante das dificuldades e dos vetos das grandes potências, nossa atuação perdeu força. Sinto que o Brasil, que já foi referência em defesa dos direitos humanos e da justiça internacional, hoje se contenta com notas diplomáticas e gestos simbólicos, enquanto o sofrimento do povo palestino continua.
Acredito que o Brasil pode — e precisa — fazer mais. Temos influência, conexões, uma voz respeitada no cenário internacional. Nosso país pode liderar coalizões, pressionar por investigações e responsabilização de crimes de guerra, ampliar a ajuda humanitária e, principalmente, não se calar diante da injustiça. O Brasil pode e deve usar sua cultura, sua diplomacia, seu espaço em fóruns globais para dar visibilidade ao genocídio em Gaza, sensibilizar a opinião pública internacional e inspirar outros países a se posicionarem.
Não podemos aceitar viver em paz enquanto fechamos os olhos para a guerra que acontece longe das nossas fronteiras. Não é porque o conflito não está aqui que devemos nos acomodar. A dignidade humana e a justiça não têm fronteiras. O silêncio diante da injustiça é uma forma de cumplicidade. Por isso, acredito que o Brasil deve agir com coragem, usar todo o seu poder de influência e mostrar ao mundo que não aceitamos que vidas sejam destruídas impunemente.
Me pergunto: até quando o mundo vai assistir em silêncio? E o Brasil, que sempre foi referência em direitos humanos, não pode se contentar em apenas observar. Temos o dever de levantar a voz, exigir justiça e solidariedade, cobrar uma posição de quem fala em nosso nome, porque a dignidade humana não tem fronteiras. Como cidadã, continuarei cobrando, falando e exigindo que o Brasil seja uma voz ativa e corajosa pela paz — porque não é justo que, só porque nosso país está bem, ignoremos o sofrimento de outros povos.
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