Tenho me dedicado a escrever para o Prêmio Artigo Eficaz, do Altruismo Eficaz, e isso tem consumido bastante tempo enquanto tento lapidar meus textos para deixá-los digno de uma premiação. Eu escrevo melhor quando parte de alguma inspiração — normalmente, um momento de frustração quando alguém me apresenta uma informação falsa como se fosse a verdade absoluta. Nesses casos, tudo flui em menos de um dia, impulsionado pela vontade de derrubar barreiras criadas pela desinformação. Mas, quando preciso atender a um limite de caracteres, tema e prazo, travo: o texto empaca, estagna, demora muito mais do que se fosse um desabafo espontâneo, como é o caso agora.
Desta vez, o gatilho foi uma mensagem repleta de “Leia mais” e marcada como “encaminhada com frequência”. Esse selo que poderia se chamar “Atestado de Fake News” porque em todos estes anos de uso de WhatsApp, nunca vi uma informação correta viralizar tanto quanto boatos inventados só para alimentar pânico.
Pois bem, li todo o texto, iniciado por um dramático “𝐍𝐎𝐓𝐈́𝐂𝐈𝐀 𝐈𝐌𝐏𝐎𝐑𝐓𝐀𝐍𝐓𝐄!”. Ele falava de um tal FENÔMENO AFÉLIO que, entre junho e agosto, nos afastaria 152 milhões de quilômetros do Sol — “66 % a mais que a distância normal da Terra, de 5 minutos-luz (90 milhões de km)”. Segundo o autor, “nosso corpo não estaria preparado para uma mudança tão drástica de temperatura” e, por isso, a mensagem terminava com o apelo: “Por favor, compartilhe com todos os seus familiares e amigos, para que também tomem precauções.”
Quando comecei a ler, pensei: Uau, descobriram o que chamamos de INVERNO — as temperaturas finalmente vão baixar. Em seguida, fiquei indignada com a disposição do desocupado que criou aquele texto cheio de apelos visuais (emojis, estruturas de parágrafo, negritos) só para espalhar alarmismo. O que essa pessoa ganha com tantos compartilhamentos? E por que não usa esse alcance — e certo talento — para divulgar informações reais, que de fato poderiam ajudar alguém?
O afélio é, sim, um fenômeno astronômico real: ocorre todos os anos quando a Terra atinge o ponto mais distante do Sol em sua órbita elíptica. Mas a diferença Terra-Sol nesse momento é de apenas 3,4 % em relação ao periélio (o ponto mais próximo) — nada a ver com os 66 % alardeados na corrente. Afélio não provoca “resfriamento global” nem epidemias respiratórias; as estações resultam da inclinação axial de 23,5°, não da distância ao Sol. Até porque a distância do Sol não é o fator determinante das temperaturas sazonais.
De qualquer modo, entendo que a intenção da pessoa que compartilhou a mensagem comigo era a de informar e, de certo modo, expressar preocupação e carinho, já que a mensagem pedia várias vezes para que as pessoas se cuidassem melhor durante esse fenômeno. É assustador o quanto os verões têm cada vez mais tempestades que destroem milhares de lares e estão cada vez mais quentes, matando pessoas de calor até mesmo dentro de casa — principalmente as casas que foram projetadas exclusivamente para o frio e para reter a temperatura dentro delas. E, do mesmo modo, é assustador sentir tanto frio, nos cobrir com tantos cobertores e ficar da largura de um boneco de neve depois de tantas camadas de roupa e ver cidades do Brasil cobertas de neve, coisa que nunca tivemos antes nesses milênios de vida humana.
E aqui ressalto que estou colocando o meu ponto de vista de quem tem o imenso privilégio de ter um lar e condições pra comprar e doar roupas e cobertores. Não vou me aprofundar, neste momento, na dor de quem dorme na calçada abraçado ao próprio cão, sem as mesmas chances. Meus questionamentos se dirigem a quem compartilha da minha posição — antes que rotulem o texto de elitista. Problemas maiores não anulam os menores; ambos merecem reflexão.
Quero falar da minha indignação com quem elabora esses textos só para chocar: será que, para essas pessoas, espalhar informação falsa é brincadeira? Essa é uma pergunta séria porque eu realmente gostaria de entender.
Quero falar, também, de quem compartilha qualquer coisa que vê na internet sem checar (de preferência em mais de uma fonte) se é real ou não. Vale para tudo: do suposto “fenômeno Afélio” à “licença-maternidade para bebê reborn” ou ao boato de “Lula envolvido no golpe do INSS”. Como se chama esse fenômeno em que a pessoa lê algo que combina com o que ela ACHA ser verdade e, em vez de confirmar e buscar mais dados, sai repassando para todo mundo — espalhando informação inútil e, na grande maioria das vezes, falsa.
Por que essas mesmas pessoas devoram correntes gigantes de fake news sem pestanejar, mas travam diante de um parágrafo baseado em dados concretos — muito menos curtem ou compartilham algo que realmente faz bem? Parece um sacrifício.
Como já disse, NUNCA recebi, com o selo “encaminhada com frequência”, uma mensagem útil; sempre é boato. Como essa desinformação se espalha tanto e tão facilmente?
Hoje, o que mais impacta as mudanças climáticas é a alimentação. Os gases de metano produzidos pelas vacas leiteiras, o desmatamento para monocultura de soja — apenas 6 % vai para a alimentação humana; todo o restante vira ração para animais explorados para consumo — e o “desmatamento marinho”, isto é, a destruição de habitats bentônicos e a liberação de carbono estocado resultante da pesca de arrasto que, diariamente, com redes quilométricas, devasta o verdadeiro pulmão do planeta, o oceano. Está claro que mudar a alimentação e tirar o animal do prato é muito mais eficaz — a longo prazo e considerando toda a cadeia de produção — do que trocar o carro a gasolina por um elétrico, cortar todas as viagens de avião nas férias ou limitar-se a um único banho de, no máximo, dez minutos por dia, por exemplo. A solução, claro, está na combinação de todas as medidas.
Reformulando com alguns dados bonitos: o sistema alimentar global — da produção ao consumo — responde por 34 % das emissões antropogênicas de gases de efeito estufa, superando setores como transporte (13,7 %) e indústria (24 %) quando analisados isoladamente. Essa cifra engloba atividades como pecuária (14,5 % das emissões globais), desmatamento para agricultura (43 % na Amazônia brasileira) e processos pós-produção (transporte, embalagens, desperdício). A pecuária emite 32 % do metano antropogênico, gás 28 – 34 vezes mais potente que o CO₂, enquanto a pesca de arrasto libera 370 milhões de toneladas de CO₂ por ano, o equivalente a 40 % das emissões da aviação global. O desmatamento para ração animal é central: 76 % da soja mundial alimenta gado, suínos e aves, ampliando a perda de biomas como o Cerrado, que armazena 13,7 bilhões de toneladas de CO₂.
Mas o lobby da agropecuária é grande, bilionário e influente demais para deixar esse tipo de informação chegar até você. É lógico que DIVERSOS fatores pesam no meio ambiente e nas mudanças climáticas — petróleo, indústria têxtil, papel, carvão etc. Devemos agir, dentro do possível, para que nossas atitudes sejam bem direcionadas. Nada disso, porém, apaga o fato de que é o nosso prato que mais influencia as mudanças climáticas; por isso, pergunto:
Por que preferem criar uma realidade alternativa em que o fenômeno Afélio provoca mais frio e, como consequência, deixa todo mundo doente, em vez de tomar uma atitude simples — mudar a dieta, tirando o animal do prato — para reduzir drasticamente o impacto individual nas mudanças do clima, responsáveis por verões cada vez mais quentes e invernos cada vez mais frios?
Por que insistem em reclamar do clima e, mesmo assim, hesitam em tomar uma atitude tão simples quanto substituir a carne animal por alternativas à base de plantas? Dinheiro não pode mais ser desculpa: primeiro, porque o quilo da carne custa muito mais que um quilo de verduras ou legumes; segundo, porque produtos que imitam alimentos de origem animal já têm preço bem mais acessível e semelhante, como requeijões, iogurtes, hambúrgueres e tantas outras opções que habitam nossa memória afetiva. O gosto tampouco serve de justificativa; estamos tão avançados que, às vezes, quando provo algo vegano, chego a conferir o rótulo para ter certeza de que não há nada de origem animal, se o lanche ou a feijoada são realmente veganos. Saúde, então, não é desculpa: além de produtos de origem animal já terem sido apontados pela Organização Mundial da Saúde como relacionados a doenças como câncer, diabetes, osteoporose e colesterol alto, há inúmeros estudos comprovando que a alimentação baseada em plantas é muito mais saudável — a curto e a longo prazo — do que a dieta onívora. E, se você pergunta “E as proteínas, e a B12?”, respondo que as únicas pessoas com deficiência de vitamina B12 que conheço são justamente aquelas que, pasme, comem carne todos os dias, fazem churrasco aos finais de semana etc., e ainda assim precisam repor mais vitaminas do que eu. Quanto às proteínas, esse argumento é tão antigo que me espanta ver gente que passa horas nas redes sociais e se recusa a pesquisar um pouco para entender as fontes vegetais de proteína.
A verdade é que hoje não há desculpa para não adotar uma dieta 100 % à base de plantas. Está mais fácil do que nunca: hoje temos informação na palma da nossa mão e precisamos redirecionar o tempo que gastamos espalhando fake news — e enchendo o cérebro de abobrinhas — para algo que realmente faz diferença.
Eu concordo com diversos filósofos longotermistas quando dizem que todos nós somos responsáveis pelo futuro do planeta. Todas as nossas atitudes têm impacto nas gerações futuras, e não estamos falando apenas dos nossos filhos ou netos: trata-se de 150, 200, 500 anos — e até mais. William MacAskill, um dos principais nomes do longotermismo e cofundador do Effective Altruism, fez uma analogia que me marcou profundamente sobre a idade da humanidade em relação a uma vida humana:
“Estamos no início do que pode ser um futuro muito longo para a humanidade e, se pensarmos em toda a história humana como uma única vida, estamos apenas com alguns meses de idade nessa escala. Isso significa que nossas ações hoje têm consequências que vão muito além do nosso futuro imediato, afetando gerações centenas ou até milhares de anos à frente.”
Ou seja, a humanidade ainda pode viver por muito mais tempo do que imaginamos, mas, se continuarmos a nos preocupar apenas com o hoje e colocarmos o futuro nas costas de seres imaginários que nem sequer existem, como este planeta será digno — ou mesmo existirá — para que as próximas gerações possam viver?
Será que não chegou a hora de ir além das queixas sobre frio e calor e, de fato, mudar nossas atitudes individuais? Será que não é o momento de abandonar a narrativa do “eu que trabalho, o dinheiro é meu e faço o que quiser com ele”, justamente porque suas compras, suas atitudes, suas escolhas — até mesmo o que, ou quem, você come — impactam diretamente não só as pessoas ao seu redor, mas também aquelas em outros países (longe de você) e até mesmo aqueles ainda nem nasceram?
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