Uma bituca contamina até MIL litros de água!

Moro em Santos, no litoral paulista, e a quantidade de lixo à beira-mar frequentemente me desmotiva a frequentar a praia. Adotei uma nova estratégia que recomendo a todos: sempre que vou à praia, levo uma sacola para recolher todo o lixo que encontro pelo caminho. Pode parecer um gesto pequeno, mas, enquanto caminho na beira do mar com meu bebê de 2 anos, recolhemos sempre uma quantidade significativa de resíduos. Entre eles, predominam tampas de garrafa, sacolas plásticas, pinos de cocaína, canudos e pratinhos de isopor.

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Embora eu acredite que a prefeitura possa investir muito mais em educação e conscientização da população através de palestras, materiais informativos, publicidades, este texto não é uma crítica à Prefeitura Municipal de Santos, que realiza o serviço de limpeza das praias (https://www.santos.sp.gov.br/?q=noticia/limpeza-das-praias-de-santos-continua-em-esquema-reforcado). Pelo contrário, é um apelo à conscientização da população em geral, especialmente aos fumantes. As bitucas de cigarro são frequentemente negligenciadas, mas representam um dos maiores poluentes nas praias brasileiras. Estudos revelam que, a cada trecho de 8 quilômetros de praia, são encontradas mais de 200 mil bitucas de cigarro. Cada bituca de cigarro contém aproximadamente 4.700 substâncias tóxicas, incluindo metais pesados como chumbo, cádmio e arsênio, que se acumulam nos tecidos dos organismos marinhos, causando toxicidade crônica. Quando predadores, desde peixes até aves marinhas, consomem organismos contaminados, essas toxinas são transmitidas ao longo da cadeia alimentar, afetando diversos níveis tróficos. Além disso, a nicotina presente nas bitucas é altamente tóxica e viciante, podendo causar alterações comportamentais e até a morte de organismos aquáticos. Os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAPs), resultantes da combustão do tabaco, são compostos químicos carcinogênicos que podem induzir mutações genéticas nos seres marinhos. Quem também não fica de fora em todo esse dano é o filtro do cigarro, composto por acetato de celulose, é um tipo de plástico que não se decompõe facilmente, persistindo no ambiente por anos e fragmentando-se em microplásticos que são ingeridos pela fauna marinha.

Quando realizo um ato voluntário como esse, além de dar exemplo para meu filho, ainda conscientizo as pessoas que nos veem realizando essa ação. Meu filho não pega conchas; ele sabe que o lugar delas é no mar. Muita gente não sabe que, além de coletar conchas ser prejudicial ao meio ambiente, afeta o equilíbrio dos ecossistemas marinhos, pois são parte fundamental do habitat de muitos organismos, servindo de abrigo, proteção e local de reprodução para diversas espécies. Sem contar que a decomposição dessas conchas contribui para a reposição de nutrientes do ecossistema marinho, e sua remoção interfere nesse ciclo natural, afetando a saúde dos oceanos.

Meu filho agora também me traz as tampinhas e plásticos que ele acha na areia e no mar. Mas não falei para ele sobre as bitucas, porque não quero que ele as pegue sem luvas. Talvez eu precise adicionar uma garra de coletar lixo nos brinquedos de praia dele. A quantidade de bitucas na areia é alarmante. As pessoas parecem não ter noção do quão nocivo isso é. É comprovado que uma única bituca pode contaminar até mil litros de água. Essa foto abaixo é uma foto que tirei de bitucas que o Instituto Mar Azul colheu do calçadão de Santos. Na faixa de areia, encontramos muito além disso.

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Em Santos, foram instalados coletores de bituca pela cidade inteira, mas parece não ser suficiente. Muitos fumantes, mesmo com uma lixeira à frente, ainda descartam a bituca no chão. O projeto pioneiro de coleta e reciclagem de bitucas de cigarro, desenvolvido pelo Instituto Lixo Zero Baixada Santista em parceria com a Poiato Recicla, visa recolher os restos de cigarro e encaminhá-los para um processo de reciclagem, transformando-os em celulose, matéria-prima para a produção de papel. Durante o mês de dezembro, foram instaladas 25 bituqueiras em pontos estratégicos da cidade e em apenas 13 dias após a instalação, o projeto recolheu 2.925 bitucas de cigarro, evitando que o equivalente a 1.170 kg de resíduos poluíssem o meio ambiente.

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E não é só na praia que não se deve jogar bituca. Aqui em Santos, vejo pessoas jogando bituca no chão, nos jardins, em estacionamentos, pelas janelas de prédios, nos canais. E todas essas bitucas vão para onde? Isso mesmo, para a praia, para o mar. A chuva carrega tudo, e quem sofre somos nós.

Hoje, enquanto eu recolhia os lixos da praia com meu filho, me perguntaram se sou bióloga. E aqui chego à mensagem que queria transmitir escrevendo este artigo: você não precisa trabalhar com o meio ambiente para se importar com ele! Apesar de eu recomendar fortemente que todos participem de ações de limpeza de praia, como as organizadas pela Sea Shepherd Brasil através da campanha Ondas Limpas, não precisamos aguardar ou organizar essas ações para fazermos a diferença. Podemos recolher o lixo sempre que vamos à praia, e eu já levo uma sacola comigo pensando nisso – você pode fazer o mesmo! Inclusive, trago aqui duas imagens que eu mesma tirei durante a última limpeza de praia coletiva que participei aqui em Santos como voluntária da Sea Shepherd Brasil. Pequenas atitudes podem ter um grande impacto, e quando tornamos isso um hábito, influenciamos outras pessoas a fazerem o mesmo.

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Durante 16 meses de expedição, cobrindo mais de 7.000 km da costa e 306 praias, a Sea Shepherd Brasil divulgou os resultados iniciais da Expedição Ondas Limpas, o maior estudo sobre resíduos marinhos no Brasil: foi constatada a presença de plástico em 100% das praias analisadas, com microplásticos presentes em 97%. Do total de resíduos, 91% são plásticos, dos quais 61% são itens descartáveis (https://seashepherd.org.br/raio-x-dos-residuos/).

Depois de colher tanto lixo em menos de quinze minutos, apenas andando ao redor de onde estávamos sentados, me perguntaram se todo aquele lixo havia sido trazido pelo mar. Não! O mar, as correntes e a formação ecológica de áreas cercadas por terra tendem a levar o lixo para praias mais fechadas, como o Saco do Major ou a Cheira Limão, onde os resíduos ficam presos entre as pedras. Mas o lixo que eu recolhi na areia e na beira do mar foi gerado ali mesmo, por pessoas que comiam milho no isopor com colher de plástico, tomavam batida no copo descartável com canudo não ecológico ou refrigerante de garrafa PET e simplesmente não descartavam seu lixo da maneira correta, ou minimamente adequada. Para evitar esse tipo de impacto ambiental, não custa nada adotar pequenas mudanças no nosso dia a dia. Uma delas é carregar na bolsa de praia um kit reutilizável, algo que no movimento escoteiro chamamos de “kit papinha”. Ele nada mais é do que um copo, um canudo reutilizável, um pratinho ou potinho e talheres. Hoje, é muito fácil encontrar versões dobráveis e compactas feitas de silicone ou bambu, que ocupam pouco espaço e duram anos e anos. Eu mesma já estou levando um desses sempre que saio, pois, às vezes, paro para tomar um coco no calçadão ou comer algo na rua e isso evita que eu precise usar descartáveis plásticos.

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Outro hábito fundamental é sempre sair de casa com sua própria garrafa de água, recomendo fortemente aquelas que aguentam horas com a água bem geladinha. Além da temperatura estar absurdamente quente, cada garrafa descartável comprada na rua gera ainda mais lixo desnecessário e essa poluição contribui para que o clima fique cada vez mais quente. O plástico de uso único não desaparece, ele se fragmenta e contamina o meio ambiente. Pequenas mudanças individuais podem não resolver o problema por completo, mas, se mais pessoas adotarem essas práticas, o impacto coletivo será enorme.

Aproveito pra deixar aqui registrado, antes do meu artigo sobre o oceano, que BIODEGRADÁVEL não é sinônimo de ecologicamente correto. Biodegradável significa que o plástico se transforma em microplástico mais rápido, mas isso não significa que ele desaparece. Muito pelo contrário, consumimos ele nos nossos alimentos e na nossa água. Pesquisas recentes revelaram a presença de microplásticos em fluidos corporais humanos, incluindo o leite materno. Um estudo realizado na Itália encontrou essas partículas em 75% das amostras de leite materno analisadas, levantando preocupações sobre os possíveis impactos na saúde dos bebês. Além disso, estudos conduzidos pela Universidade de São Paulo (USP) em parceria com a Universidade Livre de Berlim detectaram microplásticos no cérebro humano pela primeira vez. Essas partículas foram encontradas em 8 de 15 cérebros analisados, sendo o polipropileno o tipo mais comum identificado.

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Também acho importante mencionar que ao contrário do que muitos imaginam, o problema ambiental vai muito além dos canudos de plástico. Tartarugas e outros animais aquáticos que ingerem esses materiais não são desprovidos de inteligência. Por exemplo, potes plásticos que usamos para armazenar alimentos absorvem facilmente os odores da comida. Se não forem lavados adequadamente com produtos desengordurantes, esses cheiros persistem. Imagine agora um plástico que permanece no mar por meses, anos ou até décadas; ele adquire um odor forte de algas e outros organismos marinhos, levando os animais a confundi-lo com alimento. A responsabilidade por essa situação é nossa, não uma questão de falta de discernimento por parte deles. A poluição dos oceanos é majoritariamente causada pela indústria da pesca, financiada por aqueles que comem frutos do mar. Essa indústria que descarta redes de pesca quilométricas nos oceanos, que destroem milhões de toneladas de vida marinha por ano. Como eu disse, vou abordar isso mais a fundo no meu artigo sobre o oceano, mas adianto que além de fazer nossa parte jogando o lixo na lixeira, podemos ir além adotando uma dieta 100% vegetal, se não pelos animais, então pelo planeta, pela nossa saúde e futuro da nossa espécie.

Por último, gostaria de registrar minha total oposição ao ato de fumar em público, acreditando inclusive que deveria ser proibido por lei. O tabagismo passivo, que ocorre quando não fumantes inalam a fumaça de produtos derivados do tabaco, é extremamente prejudicial à saúde. Estudos indicam que os fumantes passivos têm um risco 30% maior de desenvolver câncer de pulmão e 24% maior de sofrer infarto do coração em comparação aos não expostos à fumaça. E convenhamos que é HORRÍVEL estar em qualquer lugar e ser invadido pelo cheiro horrível de cigarro, seja na praia ou no ponto de ônibus. Sendo assim, fumar deveria ser restrito ao ambiente domiciliar de cada indivíduo, evitando assim a exposição involuntária de terceiros aos malefícios do cigarro.

A Sea Shepherd Brasil, além de outras organizações, realizam limpezas de praças, praias e diversos locais públicos. Faça sua parte, e faça além. Seja um ativista, seja voluntário. Eu conheço essas iniciativas porque fui atrás de fazer a diferença, porque pesquisei, porque não me dei por satisfeita com o que vejo ao meu redor, recomendo.

Post original no meu LinkedIn: https://www.linkedin.com/pulse/uma-bituca-contamina-at%25C3%25A9-mil-litros-de-%25C3%25A1gua-victoria-dias-8c8ef/?trackingId=bvkakZyy9kIDJ9SR5UgnGA%3D%3D

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